O vento tem um nome e descobrir é perigoso. Quem ousa ir ao contrário?
dia 25 do terceiro mês
Moro em uma terra em que as pessoas não envelhecem. Somos todos eternamente jovens. Envelhecer é o nosso maior medo, e segundo nossos Senhores, é uma doença que não tem cura.
Todos aqui são felizes. Não há guerras, não há fome, temos tudo o que precisamos, e de tudo partilhamos uns com os outros. Só há uma coisa que tememos: a morte!
Nosso povo é pacato, não dado a grandes descobertas, tem pavor de aventuras, e preferimos o conforto e proteção do que a qualquer outra coisa.
Mas o que se faz com outras coisas quando se tem tudo o que precisa?
Na verdade, acho que quase tudo.
Hoje pela manhã bem cedinho, em minha caminhada, comecei a observar o mundo, e algo me intrigou. Percebi o ciclo de todas as coisas, e cheguei a conclusão de que poderá existir algo a mais, algo além do que eu posso imaginar e ver.
Às vezes me sinto um estrangeiro em meio ao meu próprio povo. Quanto mais tento me encaixar mais me distancio. Eles aceitam tudo o que nossos Senhores dizem. Todos. Não encontro exceções. Eu sou apenas o esquisito por ser um tanto questionador.
E se tem algo que eu sou e que me move é ser curioso. Acho que isso move o mundo. Mas aqui, ser curioso é um crime capital.
As coisas têm um começo, meio e fim. O dia, o sol, a água, as flores, os animais, tudo está dentro de um ciclo de existência, e será que a vida humana não passa pelo mesmo processo?
Tenho que tomar cuidado com essas minhas anotações, pois paredes podem ler.
dia 26 do terceiro mês
Essa madrugada não consegui dormir direito, aconteceu algo muito louco. Era como se uma força me chamasse pelo nome três vezes, e as três vezes, respondi.
Um calafrio, vento gelado, me sussurrou aos ouvidos: “Você conhece o caminho do vento? Ele tem um nome”, e não consegui dormir mais. Aquelas palavras estão martelando em minha cabeça até agora. Mas qual será o caminho do vento? E qual será o seu nome?
dia 22 do quarto mês
Hoje, amigos e família disseram que eu estou estranho e que preciso descansar, pois corro o risco de enlouquecer. Eu queria poder lhes falar tudo o que escondo no peito, mas é arriscado demais, tanto para mim, quanto para eles.
Então, decidi espairecer um pouco pelos campos.
Chegando lá, deitei debaixo de uma árvore e peguei no sono.
Acordei com a sensação de que algo me puxava pelos pés, como se fosse um convite para algo, mas não vi nada. O silêncio reinava e o verde do campo era o que tomava conta.
Senti um calafrio em minhas costas, o da mesma espécie daquela noite em que chamaram meu nome três vezes. E ele foi aumentando, aumentando, até que passei a ver como se o vento dançasse à minha frente, pousando sobre uma árvore.
Eu não sabia se era real ou se era uma epifania. A árvore que foi tomada pelo vento, começou a balançar suas folhas e galhos. Tudo o que estava ao seu redor permanecia estático.
E aquela árvore que antes era forte, viril e tão jovem, de repente passou a envelhecer. Suas folhas de verde foram murchando e ganhando uma tonalidade mais escura. Antes era possível identificar um riso satisfatório nela, mas agora era só cansaço e enfado em seu aspecto.
Eu fui me afastando, me afastando, até que tropecei e cai sentado de tanto pavor que me tomou. E pensei: “será que esta é a grande doença da qual tememos?”, e suavemente, sussurrou em meus ouvidos o nome do vento.
Eu não era mais inocente, me sentia o pior e mais indigno dos condenados. Sentei em posição fetal e chorei a tarde toda, pois temia o que poderia acontecer.
Quando cheguei em casa, pelo meu aspecto, minha mãe se assustou e ficou preocupada, por nunca ter visto ninguém e nem a mim naquele estado.
Tudo o que eu queria era dormir, mas estou aqui no silêncio do meu quarto, sendo iluminado pelo luar que invade minha janela.
dia 17 do sexto mês
“Cabelos brancos”. Isso mesmo. Não estou louco. Conferi um milhão de vezes para ver se é isso mesmo.
Peguei a tesoura e tratei de me livrar desse problema.
Mas o que isso significa? Eu não estou entendendo nada.
Eu comecei a procurar todos os fios de cabelos brancos que surgiram. Eu me livrei de todos; mas parece que quanto mais me livro, mais eles aparecem.
Minha mãe me perguntou: “filho, isso é cabelo branco?”
“Onde mãe que não estou vendo?”
“Em sua cabeça.”
E eu não respondi mais nada. Depois disso surgiu um anseio que nunca tinha aparecido: ir morar só. Eu queria independência, pois sentia que eu precisava viver minha própria vida.
Comecei a achar tudo aquilo muito estranho, e passei a desconfiar do meu próprio coração. Não é normal ter esse tipo de sentimento por aqui, já que em nossa terra é tudo institucionalizado.
As pessoas só casam, só vão morar só, só arrumam empregos, namoram, têm filhos, com a permissão dos nossos Senhores, pois tudo tem que passar pela avaliação e permissão deles.
Eu me sinto agora, muito mais estranho em meu povo do que antes.
Os cabelos brancos estão tomando conta da minha cabeça, vou ter que dar um jeito para que ninguém perceba. Acho que uma bandana vai me salvar.
dia 24 do sétimo mês
Hoje pela manhã descobri coisas mais horríveis. Eu senti que o começo do fim estaria cada vez mais próximo, e comecei a ter questionamentos bem sinceros comigo mesmo, questionamentos que antes nunca tive.
Ao me deparar com o espelho, percebi que havia marcas em meu rosto, marcas e expressões que nunca vi em ninguém. A pele começou a perder seu viço, e no meio tarde, a beleza exótica que fazia meu rosto, desapareceu. Já não era mais eu mesmo
Não consegui esconder de minha mãe. Mais uma vez ela tomou um grande susto e eu consegui despistá-la. Falei que daria um jeito, e ao olhar e falar com ela, um medo tomou conta do meu coração, um medo tão profundo de perder minha doce e amada mãezinha, e, também, todos aqueles que eu amo. Nunca escutei falar sobre tal coisa ocorrendo no coração dos homens.
Uma máscara acho que vai me salvar.
dia 27 do nono mês
Não estou podendo sair muito de casa, pra evitar que descubram toda estranheza que tem me ocorrido nos últimos tempos, e temo que eu não consiga manter por muito tempo.
Não sinto minhas pernas direito, estou andando que nem um corcunda, ando ofegante, minha visão está cada vez mais embaçada e já não tenho mais a energia de antes. Agora que eu não vou mais conseguir sair de casa.
Nessas condições vão me descobrir e serei condenado à morte.
dia 17 do décimo segundo mês
Hoje foi um dia muito triste, um dia de lamento, em que me dói no peito relatar tudo isso.
Descobri este diário do meu filho hoje, logo depois de ser sentenciado.
As suas últimas palavras em frente àquela multidão foram: “o mais trágico não é a morte do corpo, mas a perda do encanto pela vida”. E assim, ele foi decapitado.
Mas, um evento estranho ocorreu: sobre a árvore em que ele estava amarrado, uma massa de vento se formou, e era como se o vento dançasse. De uma hora para outra, aquela árvore começou a envelhecer, e uma voz nos disse:
“Vocês conhecem o caminho do vento? Conhecem o seu nome?, e, então, sussurrou aos nossos ouvidos qual era o seu nome.
Todos ficamos perplexos, e em posição fetal choramos por uma hora.
Agora não somos mais inocentes, e sentimos que fomos libertos de uma prisão.
Meu filho, ah meu filho, morreu por uma causa nobre. Agora entendo que seu corpo envelheceu, mas nos foi restaurado o encanto da existência, o encanto pela vida.
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